domingo, 17 de julho de 2011

Ainda das cartas de amor

Tenho saudades do tempo em que te escrevia cartas de amor. Quando me sentava à secretária junto à janela, o sol caía devagar na linha do horizonte e a luz esmorecia sobre a cidade onde nos conhecemos e apaixonámos.

Era a mesma luz que me iluminava o caminho quando ia ao teu encontro. Descia a rua apressado, sob o olhar atento dos velhos arcos, por entre os quais o vento soprava como a mãe sopra para a papa do bebé que quer arrefecer para o alimentar. À janela da esquina, dois ou três gatos ensonados que me olhavam, sorrateiros, por um dos olhos que mal abriam, pouco se importando com a minha passagem. O sonho deles eras tu.

Pegava na caneta e as saudades roíam-me a ponta dos dedos. Mal a levantava do papel alvo, pouco acertando nas linhas que apenas orientavam o rumo das palavras que me saíam directas do peito, como a água jorra das comportas da barragem já cheia, sôfrega por te encontrar.

Aí éramos verdadeiramente os dois. Como quando adormecíamos abraçados na tua cama e a lua entrava gorda e lânguida e beijava nossos corpos despidos, exaustos, nos lençóis revoltos, que se confundiam connosco e nós no corpo um do outro.

Fechava a carta do mesmo modo que me abrias a porta quando tocava à campainha. E eu podia correr, saltar degraus, subi-los dois a dois. Mas não. Eu gostava de adiar uns segundos mais o momento em que te via surgir atrás da porta entreaberta para então mergulhar no teu sorriso. Como a carta cai no marco do correio.

1 comentário:

Almofariza disse...

Nos tempos em que recebia cartas de amor, aguentava-me para não rasgar o envelope logo e já, e aqueles segundos entre a caixa do correio e o meu espaço eram quase tão deliciosos como os segundos a ler as mesmas.
Gostei tanto, deste teu texto :)

Cadês
Almofariza