Durante a escola primária não foi muito acentuado. Mas na preparatória, ou porque se acentuou ou porque as crianças aprendem a apontar mais os defeitos dos outros, a minha dificuldade em dizer correctamente os R entre vogais era notória. E a coisa complicava-se ainda mais quando nos chamamos Pedro e invariavelmente o que nos saía era qualquer coisa como Pedgo (não era bem, mas era o som que mais se aproximava) - um pouco como a Judite de Sousa pronuncia. No Liceu a coisa continuou, embora não tão evidente, mas ainda assim com chamadas de atenção por parte dos colegas - já não gozavam, mas ainda era caso para risadas. Na Faculdade, ou porque as pessoas já são crescidinhas ou porque consegui corrigir ou atenuar a dita dicção, nunca ninguém me interpelou por isso.
E porque é que passados tantos anos me lembro disso? Por duas razões, para além da óbvia, de que as cicatrizes, ainda que curadas, causarem ardor quando muda o tempo. A primeira por ter reencontrado uma colega de Liceu. Uma das que se ria com a minha incapacidade de dizer os ditos R correctamente. Como Deus não dorme, tem um filho que também não os consegue dizer. "Mas é um óptimo aluno". Também eu, e talvez por isso ainda gozassem mais comigo. A segunda por ter recebido um telefonema da menina da TMN, exactamente com a mesma dicção, que me queria impingir um novo tarifário o qual já me tinham tentado impingir. Retorqui um sim, já conheço, mas não estou interessado, obrigado, boa tarde, mas estou aqui com alguns problemas de consciência por a ter despachado em três tempos.