quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Anna Karenina


Assisti ontem à ante-estreia do Anna Karenina (ou Tatiana Kárina, como gosto de lhe chamar), no mesmo dia em que uma grande amiga, cujo livro preferido é precisamente este, fazia anos. Graças a um concurso, onde ganhei os bilhetes (estou a tornar-me pró, qualquer dia estou pior que o Senhor Engenheiro). 
Confesso que nunca li o livro (grande falha, mas espero que me recomendem a melhor tradução, até porque fiquei com mais vontade de o ler), nem vi, que me lembre, nenhuma das versões anteriores do filme. Portanto, fui completamente às escuras - à excepção do enredo e do desenlace - não tenhamos ilusões, tal como no Titanic, a coisa acaba mesmo mal.
Confesso que estou ainda sem perceber se gostei ou não. As escolhas cenográficas (e até coreográficas) foram interessantes, mas não consigo perceber se causam ruído (e portanto, desnecessárias), se ajudam à narrativa. O guarda-roupa é grandioso, mas não é deslumbrante (nem rigoroso). Há um colar de umas quantas fiadas de pérolas que parece gritar "fake" em todas as cenas onde aparece. As interpretações medianas - há qualquer coisa na Keira Knightley que me faz lembrar a Salma Hayek e que ao pé de uma Greta Garbo, uma Vivien Leigh ou até mesmo de uma Sophie Marceau, deixam muito a desejar. Aaron Johnson, o seu bigode de meia dúzia de pêlos e a sua égua Frou-frou não são propriamente uma escolha máscula e viril, que se esperaria de um amante militar russo, capazes de incendiar as estepes nevadas. Jude Law quase irreconhecível, quase apagado - como se quer a marido enganado?
Anna Karenina é a dança inevitável para o abismo. Like a moth to a flame. O animal reprimido, irresistivelmente atraído pelo proibido, pelo excesso, pela modernidade, tão bem simbolizado pelo comboio, tudo o que será a causa da sua morte. Amor, sexo e prazer feminino. Tudo o que estava vedado à sua condição feminina, numa sociedade aristocrática e religiosa. Mas não foi o facto de se ter separado do filho, de ter falhado como mãe e infringido as leis, nem tão pouco de ter infringido as normas sociais, onde se pode flirtar ostensivamente, mas não se acaba um casamento por isso, que causaram o desespero de Anna. É a entrega incondicional a quem, na realidade não retribui esse sentimento. E é por isso que saímos de coração pequenino do cinema, por nos fazerem lembrar que, mesmo o amor, é efémero.


12 comentários:

Unknown disse...

Está na minha lista de filmes para ver.
E agora baixaste-me as expectativas...
Mas ainda assim continuo muito curiosa :)

Lobo disse...

Davas um bom crítico de cinema :P

sofia disse...

Ainda que o tenha lido em inglês, a melhor tradução dos autores russos é sempre da Nina e do Filipe Guerra, que traduzem directamente do russo para o português!

A Mais Picante disse...

Por acaso não concordo muito com essa análise. O que desespera Anna é o descontentamento consigo própria, a vergonha que sente de si mesma dá origem a uma raiva que a impede até de se julgar merecedora de ser amada. Porque afinal o pretenso distanciamento de Vronski advém do desespero de Anna. Não deixe de ler o livro.

Pedro disse...

Longe de mim querer baixar expectativas a alguém. Eu diria que gostei do filme, mas não achei maravilhoso. Mas a minha opinião vale o que vale.

Pedro disse...

Não tenho essas pretensões. Além disso, ninguém gosta de críticos de cinema :P

Pedro disse...

Não tenho essas pretensões. Além disso, ninguém gosta de críticos de cinema :P

Pedro disse...

Obrigado pela recomendação, mas parece-me que não traduziram o Anna Karenina. Pelo menos não consigo encontrar informações a esse respeito

Pedro disse...

Obrigado pela discórdia. É engraçado eu estar a defender a mulher e tu o homem :)
Sim, sem dúvida que o pretenso distanciamento de Vronski advém do desespero de Anna, mas também do casamento armado pela mãe. Embora ele tenha sido sempre um mulherengo...
Agora não sinto que haja vergonha e descontentamento de si própria, pelo menos neste filme (provavelmente noutro ou no livro será essa a intenção). Mesmo após a cena no teatro, continuo a achar que não há arrependimento por viver um amor condenado, nem sequer por ter abandonado o filho. Embora, verdade seja dita, a deixa final - o pedido que Deus a perdoe - que eu entendi pelo suicídio (que é visto como pecado na igreja católica e muito provavelmente na ortodoxa, suponho eu), seja a chave desse arrependimento. Confesso que, se for essa a intenção de Tolstoi, fico bastante desiludido, porque em vez de criar uma personagem original, acaba por cair no rol das arrependidas.
Agora a leitura de se julgar imerecedora de ser amada, acho-a bastante interessante.
Mas sim, espero ler o livro em breve, para tirar todas as dúvidas ;)

A Mais Picante disse...

Não vi o filme, mas tenho curiosidade de ver se a daptação consegue captar a riqueza das personagens, que nem sempre é fácil.
Quando ler o livro verá uma Anna fabulosa, em permanente contradição consigo própria, coquette e virtuosa, o desespero do abandono do filho é tal que a impede de amar a filha, de algum modo prova física da sua conduta imprópria.
Vronski acaba por ser uma personagem algo apagada, mulherengo sim, mas verdadeiramente apaixonado por Anna, com a qual tem uma conduta digna (talvez mais por lástima no fim, quando Anna quase o sufoca).
E sim, Tolstoi é até bastante moralista e católico.
O meu Karenina é uma tradução directamente do Russo, de António Pesacada, Ed. Relógio de Água. Muito bom.

A Mais Picante disse...

António Pescada

Pedro disse...

Pelo que me dá a entender, penso que não. Não é notório esse drama interior de Anna (pelo filme dir-se-ia que o suicídio se deveu ao excesso de ingestão de morfina).
Foi essa tradução mais recente que vi, parece haver outra, mas não terá sido do russo.