quarta-feira, 24 de julho de 2013

Das tias-avós

Fui educado para agradecer tudo, mesmo que o tenhamos recebido seja a maior decepção à face da terra. Como os presentes de uma das minhas tias-avó, a quem chamamos lá em casa a Generala, não necessariamente pelo feitio, mas simplesmente ser casada por um coronel, e por ser ela quem manda nele. Ora, a Generala, cheia de caganças, cheias de ouros, mas burra que nem uma porta (não sou eu que digo, mas antes a bisavó, sua mãe), inculta que mete dó, que nem sabe distinguir Fernando Pessoa dos heterónimos, como ela própria se queixava perante as conversas com as amigas durante os chás e as canastas, tinha o condão de oferecer-nos, a mim e a toda a família, os piores presentes de sempre. Os chocolates inenarráveis de sabor a sabonete; as peúgas brancas, caneladas, de péssimo algodão, com uma osga lá pespegada a cola quente trazidas da viagem à Turquia e todo um sem-fim digno de uma câmara de horrores, que me abstenho mais de descrever. Quando nos era dado em mãos, lá abríamos os presentes, obviamente feitos com papel de embrulho de papéis reutilizados há vários natais, fazíamos a nossa melhor cara de espanto, disfarçávamos  o amarelo dos nossos sorrisos e agradecíamos reverencialmente o que quer que nos tivesse calhado em rifa, o que certamente na maior parte dos casos nos faria ganhar um óscar. Pior era quando não estávamos em casa e imperiosamente a Mãe nos obrigava, no máximo dia 26 de Dezembro, telefonar a agradecer à Generala, porque aí havia que nomear o inenarrável presente e adjectivá-lo positivamente de todas as formas e feitios, obviamente classificando-o de forma irreal, porque não há forma de transformar o nada em tudo, o que nos fazia parecer dominar com mestria a arte da alquimia.

Hoje, à distância dos maiores terrores da infância, dou graças a Deus por ter tido uma tia-avó Generala e uma Mãe que levou muito a sério esta coisa da nossa educação. Porque é, de facto, muito desagradável estar em casa de alguém e ouvir outro dos convidados queixar-se que, por uma razão ou outra, o jantar podia estar melhor, entre tantos outros exemplos. Mas acima de tudo, ter aprendido a ver os pontos positivos, mesmo os inexistentes, nas piores coisas que nos aparecem à porta. 

2 comentários:

José Daniel Ferreira disse...

Não foi o meu caso ontem no Rodinhas, pois não???

Pedro, o homónimo disse...

Belíssima tia-avó, a tua!
Belíssimo texto.

(Não o expliques!)