No fim de contas, ela era uma dessas mulherzinhas bem-dispostas que vive num pequeno apartamento dos subúrbios de uma grande cidade. O marido sai para trabalhar e ela pega em si, faz a sua higiene diária. Sem maquilhagem, vai só às compras ali no bairro. Mas arranjadinha, que não é nenhuma dessas marias-limpinhas. O pão na padaria. O peixe na peixaria. A carne no talho. As frutas e os legumes na mercearia. Tão carregada! Volta a casa, põe o avental. A lida. Tudo tem de estar pronto para quando ele chegar. Sim, o seu homem. Pano do pó, aspirador, esfregona. Roupa para lavar. Estender. Passar. Enquanto faz o almoço. Afinal hoje não vem almoçar a casa. Ela suspira, ela espera. Coitado, trabalha tanto. E pouco come. E volta a estender e a passar e a arear tachos e arrumar gavetas - tão cansada! O grão no frasco, ao lado do arroz, alinhado, aprumadinho. Um exército na despesa. Olha para as horas, já é tarde, o marido demora, tão tarde que jantam. Nem a olha, está cansado. Ela solícita, subserviente sem se dar conta, serve-lhe o jantar, levanta a mesa. E o sexo arde-lhe, ingrato, inflama-a, sem que a possua. Ali, no balcão da cozinha, no chão da sala que meticulosamente à tarde aspirou. Um homem que a faça sentir viva, que a respire. Que lhe afague as carnes gastas pelas esperas inúteis. Que a arranhe com a barba mal feita. Que dois braços a prendam para não fugir de si mesma. Dele. Que a convençam que amanhã vale a pena acordar e arranjar-se e ir às compras e voltar a casa, fazer a lida, o almoço, o jantar e esperar, paciente qual Penélope, pelo marido que não a fita, nem a agarra. Uma e outra vez. Uma noite que passa. Toda a vida. Ele a ressonar, ela a tocar-se. Ela acorda, sem ele a ter tocado.
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
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3 comentários:
Tão bom que me apeteceu levar uma cópia para o meu quintal (devidamente identificado e linkado, naturalmente). Obrigada, Pedro.
Mas ao sol, para ver se cresce, sff ;)
Esta nossa amiga....... Lindo !!!!!!! Amo-te!!!!!!!!
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